sábado, agosto 18, 2007

Alentejano realiza diariamente caminhadas de 50 kms a pé sob o sol escaldante da planície


"Chapéu redondinho, franzino, cheio de genica e uma vontade indómita de viver, o senhor Manuel Mestre, 68 anos, ou o Manel da Serra - como é conhecido por novos e velhos -, desafia diariamente os rigores do clima alentejano e percorre, indiferente aos quase 40 graus que se fazem sentir nesta altura do ano, a estrada entre Serpa (onde reside, num lar) e Beja, onde vai visitar os amigos. Calcorrear 50 quilómetros diários (25 em cada viagem) é também a «melhor maneira de se manter em forma», diz.

A rotina deste 'atleta' veterano descreve-se facilmente toma o pequeno-almoço no lar onde habita, sai porta fora, enfiado no colete reflector laranja, com a pregadeira a servir de fecho, bilhete de identidade sempre a jeito, e faz-se à estrada sem pedir ajudas. «Não preciso de boleia, bebidas também não. Quero caminhar e viver. Chega-me», afirma. Assim se apresenta este homem simples nascido na terra de Catarina Eufémia (Baleizão), mas que se diz «de todo o Mundo».

Toda a vida foi pastor; por isso, não teme o frio do Inverno nem o calor tórrido desta época. «Vou a Baleizão ou à Serra ver os meus amigos. Ando todos os dias mais de 20 quilómetros a pé para cada lado", diz, sorrindo. Tirando o pequeno chapéu, Manel da Serra, mostra uma cicatriz. "Um gajo bêbado a conduzir não me viu e abriu-me a cabeça», conta, recordando a única vez que foi colhido na estrada. Diz-se habituado ao sol, mostra os braços queimados das "estorreiras" e solta alegre «Pomadas, bronzeadores? Não uso nada dessas coisas. É a pele natural», diz, revelando, orgulhoso, que nunca teve uma insolação ou doença cutânea.

Para ir de Serpa à sua terra (Baleizão) gasta duas horas de caminha e pelo caminho «cumprimento todos os condutores. Toda a gente me conhece», revela satisfeito, quando mais um condutor apita ao passar por ele. Perto da Quinta dos Bonecos, a seis quilómetros de Beja, a Taberna do Cascalheira é o local onde pára e bebe um copo. «Não é homem de pedir nada a ninguém. É um paz-de-alma», diz a D. Bia, proprietária do estabelecimento e que toda a vida o conheceu. E, à despedida, Manel da Serra ainda pergunta espevitado ao jornalista »Compadre, não me arranja emprego numa quinta, para passar o tempo a cavar ?»...


Fenómeno de habituação

Instado a explicar este "fenómeno" de resistência às altas temperaturas, José Robalo, subdirector nacional de Saúde, observa que «não há imunidade» aos perigos do calor por parte do sexagenário. «No Alentejo há é a habituação ao calor», explica o responsável, recordando as casas tradicionais, com paredes grossas e caiadas de branco e janelas pequenas como forma de os habitantes se protegerem dos rigores climatéricos. José Robalo justifica a inviolabilidade da pele de Manuel Mestre «A pela cria uma carapaça. Há uma camada de células mortas, que formam uma espessura maior de pele», adianta, salvaguardando, porém, que «nem toda a gente goza desta situação", pelo que, justifica, "é necessário manter os cuidados recomendados para este tipo de clima»."

Teixeira Correia

Fonte: Jornal de Notícias - 18-8-007

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